Tantra – A arte do ritual e da magia
O Tantra é a mais controvertida de todas as tradições espirituais. Abaixo, entenderemos um pouco mais sobre o porquê disso, além de desconstruirmos algumas preconcepções.
Tantra e o Sexo
O motivo para a controvérsia que envolve o Tantra é sua relação à manifestação da sexualidade.
Há uma discriminação em relação ao sexo, que, com o tempo, deixou de ser uma função natural do corpo e do espírito para ser algo considerado pecaminoso e ilícito, quando praticado fora de regras sociais onde a naturalidade é no mínimo questionável.
E é essa perda da naturalidade em relação à manifestação da sexualidade que deixou nas pessoas resíduos samskáricos condicionadores que tornam difícil a aceitação e prática da visão tântrica do sexual.
Sexo como Fonte de Prazer
O Tantra não é a arte do sexo prazeroso. Esta arte é tratada num conjunto de escrituras denominadas Kama-shastras, das quais o Kama-sutra é a mais conhecida, e que nada têm a ver com o Tantra e com a vivência mística tântrica. Portanto, não há na tradição tântrica preocupação com prazer, superorgasmo e outras delícias da sexualidade, que podem ser vivenciadas independentemente do ritual tântrico.
Sexo como Expressão do Divino
Confundir o Tantra com práticas sexuais voltadas ao prazer é uma forma que algumas pessoas encontram para “legalizar” seus preconceitos ou dar um “ar místico” à relação.
Muitos mestres tântricos da linha do sábio Abhinavagupta eram celibatários, não constituíam família e não praticavam a relação sexual de maneira comum. Para eles, o ritual secreto denominado em sânscrito “rahasyapuja” ou “maithuna”, onde um homem e uma mulher se unem num complexo ritual que culmina com uma cópula, era considerado um sacramento pelo qual as vibrações sutis do início da vida eram celebradas e vividas em uníssono.
Tantra e sua Etimologia
Sob o aspecto etimológico, a palavra tantra significa urdidura, trama ou tecido. No sentido mais geral, significa também: tratado ou escritura [shastra], tradição ou sistema, ordem [vidhi], regulação [niyama]. Entretanto, quanto ao aspecto místico relativo à tradição, o termo tantra deriva da raiz verbal sânscrita [tan], cujo significado é “aquilo que expande”, no sentido da expansão do conhecimento espiritual pela compreensão que advém da prática do ritual e da magia.
A Epistemologia do Tantra
Sob o aspecto epistemológico, o Tantra caracteriza-se por uma visão sagrada da natureza e dos processos naturais. Assim, sua teologia e metafísica, denominadas em sânscrito Abhasavada, reconhecem a presença divina em tudo. Assim, sendo a natureza parte da manifestação divina, todos os seus processos são considerados perfeitos, sem mácula e sagrados em sua essência.
parte da manifestação divina, todos os seus processos são considerados perfeitos, sem mácula e sagrados em sua essência.
As Origens Históricas do Tantra
As origens da Tradição Tântrica perdem-se na protohistória da Índia.
Período Pré-Védico
Os primeiros cultos com características tântricas encontram-se no período pré-védico, entre os povos do Vale do Indo, na cultura Harapense [2500 a.C.], cuja tradição era muito ligada à natureza e a fertilidade da mulher e do solo, embora haja indícios de que práticas tântricas tenham sido muito comuns entre os povos de fala dravidiana também no sul da Índia.
Período Védico
Já no período védico, os primeiros cultos tântricos voltados à figura feminina do Divino, na forma da Deusa Mãe [1800 a.C.], que então surge em múltiplas formas e aparições, celebravam a presença da feminilidade e da fecundidade nas deusas Ushá, Aranyaní, Gayatrí e Durga. Posteriormente, encontramos cultos tântricos voltados às deusas Umá, Narasimhí, Tripurá, Mahákálí e Rajarajeshvarí.
Movimento Guhyasamaja
Entretanto, as principais tradições tântricas da Índia somente surgiram após o movimento denominado Guhyasamaja, que foi uma dissidência interna do budismo, entre os anos 150-300 d.C. Este movimento, inicialmente secreto, surgiu devido ao descontentamento dos monges frente às regras estritas da comunidade que não permitiam a ingestão de bebidas e de carne e o contato feminino de qualquer tipo. Assim, o movimento Guhyasamaja foi consolidando uma nova visão da vida e da noção de certo e errado, que passou a nortear a conduta dos monges frente às coisas naturais da vida.
Mais tarde, com a dissolução do budismo, muitos devotos sem casta, por não serem aceitos no seio dos brâmanes, procuraram opções nos novos cultos emergentes. Entre eles, alguns eram de conotação tântrica, como o dos Sahajiyá, que floresceu nos estados de Assam, Orissa e Bengala, entre os séculos VIII e IX d.C. Posteriormente a essa tradição, seguem-se outras: Yamala ou Vira-yoguini, Kapalikas, Kaula, Kula, Krama e, posteriormente, a Trika, de Abhinavagupta, na região de Caxemira.
Tantra Branco x Tantra Negro
Como o Tantra é a arte do ritual e da magia, logo surgiu a divisão entre o que se convencionou denominar Tantra Branco e Negro. Mas, em verdade, não existe essa coisa de Tantra Branco e Negro, ou da esquerda e da direita. Tantra é Tantra.
No ritual tântrico, a intenção do devoto inspira o ritual e seus desdobramentos, ou seja, as vibrações de “energia” geradas são usadas e direcionadas conforme a natureza espiritual do devoto.
As Diferentes Linhas Tântricas
As linhas tântricas Vamachara, denominada “Tantra da Mão Esquerda”, e Dakshinachara, denominada “Tantra da Mão Direita”, nada têm a ver com conceito ético de certo ou errado.
Na verdade, a palavra sânscrita vama tem duas acepções, podendo significar tanto “esquerda” como “mulher”, dependendo do alongamento vocálico. Além do mais, a acepção da palavra “esquerda” tem mais a ver com a posição da mulher “à esquerda” do homem no início do ritual, que com a dicotomia que dividiu as atitudes humanas na política em “de esquerda” e “de direita”. Na linha tântrica Vamachara, o ritual é explícito e contém o sacramento de cópula efetuado com uma mulher sacerdotisa (vira-yoguini).
Na linha Dakshinachara, o ritual sacramental de cópula é simbólico e interior, ou na mente do devoto.
Entretanto, uma linha não deve ser considerada superior à outra. A linha Vamachara é ideal para aqueles cujo domínio das emoções, dos instintos e dos condicionamentos da mente foram alcançados. Abhinavagupta dizia que o devoto deve iniciar pela linha Dakshinachara para, posteriormente, com sua evolução espiritual e seu controle emocional, poder alcançar o ideal Vamachara. De qualquer forma, em qualquer ritual, o que valem sempre são a habilidade e intenção do devoto.
Ritual Tântrico
Elementos
O ritual tântrico utiliza muitos elementos [upacaras] como forma de linguagem, entre eles:
- Gestual ou mudrá;
- Vibração primeva;
- Yantras ou representações geométricas das deusas;
- Lamparinas votivas;
- Incenso;
- Flores;
- As três proibições dos brâmanes: carne, vinho e cópula.
A vibração primeva pode ser usada em vários níveis de sutilidade, dos quais o acústico ou grosseiro [mantra] é o mais conhecido. Nesse caso, os mantras são quase sempre monossilábicos e denominados bijamantra, que é a palavra de invocação sutil da Deusa no coração do devoto.
Outro nível importante de uso da vibração primeva é sem dúvida o denominado “alento vital”, ou seja, a arte de usar a respiração em conjunto com a imersão no prâna, que é a essência da manifestação divina [vrtti-spanda] no mundo da ilusão ou materialidade.
Erotismo
Embora a busca do prazer não seja o objetivo do sacramento de maithuna, o ritual é bem erotizado, pois o erotismo é um fator importante para por em funcionamento a máquina bioquímica do veículo físico de cada participante.
Também é bom lembrar que a metafísica tântrica não vê distinção entre a espiritualidade e a sexualidade, pois ambas têm uma origem comum na Kundaliní Deví. Tampouco vê distinção entre matéria grosseira e sutil, pois ambas são percepções distintas e ilusórias da vibração primeva, o prâna-vrtti-spanda.
Assim, o corpo físico e sua bioquímica, denominados em sânscrito sthula-sharirá, são sempre vistos como um complexo campo vibracional, que inclui interações emocionais oriundas da mente [não-Eu] com os campos secundários da manifestação, que denominamos moléculas.
Os Papéis do Homem e da Mulher
O ritual secreto de maithuna compõe uma seqüência ritualística denominada por Abhinavagupta de 3Ms. Isso porque é uma prática que contém as três coisas proibidas pelos rituais ortodoxos: o vinho, a carne e o elemento feminino.
A inclusão da mulher como um elemento do ritual não é uma colocação depreciativa. Afinal, ela é a parte mais importante, sendo através de seu Ser que a Deusa é venerada como símbolo da feminilidade.
No ritual, a mulher representa sempre a consciência dinâmica do divino [cidrupini] e o homem a consciência estática [cit]. Assim, através do ritual, celebra-se a reunião ou yoga entre esses dois pólos conscienciais, que antes da manifestação formavam uma só essência, denominada Paramashiva [Ardhanarishvara].
Os Frutos da Tradição Tântrica
A Tradição tântrica dá dignidade à percepção da vida e da natureza divina manifestada como vida. Por isso, seu exercício eleva o devoto à coparticipante do processo cósmico e estabelece uma correspondência entre o macrocosmo e o microcosmo.
Porém, embora o Tantra esteja disponível para todos, com certeza nem todos estão capacitados para a prática tântrica. Para isso, são necessários perfeito autocontrole e reconhecimento de que tanto a sexualidade como a espiritualidade originam-se na Kundalini (ou Citkundalini), uma vibração primeva que é a essência do Eu Real e morada da “consciência como poder”.
Oswaldo Marmo
Fonte:https://www.iyta.com.br/tantra/
A verdade sobre o Tantra
Há algo distintamente pervertido sobre como as pessoas querem pegar uma parte muito pequena dos escritos tântricos e fazer do tantra tudo sobre isso. Quero dizer, práticas sexuais.
Certamente, Tantra é um caminho totalmente corporificado para a libertação espiritual, e isso tem que significar inclusivo de tudo corporificado, então sim, sexo também! Mas a maior parte do que é atualmente ensinado como Tantra no ocidente não é... Tantra, isto é. Por mais que valha a pena, e não quero julgar isso de uma forma ou de outra, seu rótulo Tantra muito alardeado é mal informado e enganoso.
O que é tantra?
A palavra tantra é aplicada tanto à tradição quanto às obras escriturais da tradição. E não é uma tradição homogênea. Existem vários ramos com pontos de vista um tanto diferentes, e existem versões budistas, shaivitas e vaishnavitas. (Shaivitas e vaishnavitas se referem ao que você pode pensar como hindu.) Existem versões que são dualistas, ou seja, veem uma divisão entre um ser divino e a criação, e existem versões que não são duais. Existem versões que consideram o divino feminino como primordial, e outras que dão primazia ao divino masculino. A mais antiga escritura tantra existente é Niśvāsatattvasaṃhitā, datada do século VI, possivelmente apenas um século depois dos Yoga Sutras de Patanjali. Todas as datas de textos sânscritos antigos são borrachentas. O tantra Shaiva não dual tornou-se popularmente conhecido como Shaivismo da Caxemira, mas na verdade era originalmente pan-indiano, embora algumas de suas maiores mentes fossem da Caxemira, e o último detentor de linhagem completa conhecido, Swami Lakshmanjoo, fosse da Caxemira.
Tantra tradicional é um movimento espiritual que oferece um caminho para a libertação que é mais rápido e disponível para chefes de família, que não é restrito a pessoas que tomam ordens monásticas ou se tornam ascetas retiradas do mundo. Ele utiliza uma série de meios que incluem adoração ritual e evocação de divindades, o uso de mantras e mandalas, o mapeamento do corpo em um tipo de fisiologia espiritual (cakras, nadis, kundalini, prana), cultivo de bem-aventurança, consciência e identidade com a Consciência divina. Ele considera nosso estado corporificado como uma oportunidade para a prática, em vez de um obstáculo.
Uma atitude positiva em relação ao corpo
O sábio Patanjali, que registrou os Yoga Sutras em algum lugar nos primeiros séculos EC, é adorado como um herói no mundo moderno do yoga. No entanto, sua atitude em relação ao corpo é que ele é algo a ser desprezado, bem diferente da mensagem "seu corpo é um templo" que você provavelmente ouvirá em seu shala de yoga local. O capítulo 2 do Yoga Sutra, número 40, é aquele sobre shaucha, limpeza. A mensagem ali é clara:
śaucāt svāṅga-jugupsā parair asaṁsargaḥ || II.40 ||
Por meio da limpeza, a pessoa [desenvolve] aversão ao próprio corpo e cessa o contato com os outros.
(Tradução de Edwin Bryant)
A mensagem do tantra contrasta fortemente. O Vijñanabhairavatantra (c850CE) está repleto de práticas meditativas que utilizam o corpo como caminho para a libertação, como esta:
calāsane sthitasyātha śanair vā deha-cālanāt |
praśānte mānase bhāve devi divyaugham āpnuyāt || 82 ||
Situado em um balanço ou assento móvel [em um veículo], ou através do corpo sendo lentamente balançado, o estado mental e emocional da pessoa se acalma e fica tranquilo, ó Deusa, e ela alcança o Fluxo Divino [de Bem-aventurança].
(Tradução não publicada de Christopher Wallis)
O Vijñanabhairavatantra tem 112 dessas meditações. Três delas realmente sugerem utilizar a experiência da união sexual e do orgasmo. Por que você não incluiria, se estiver apresentando meios centrados no corpo para a libertação, as experiências sublimes do orgasmo? Mas isso é três de 112. Não podemos, portanto, concluir que o tantra é tudo sobre sexo quando a maioria das práticas não é sobre sexo.
Tantra Ioga
Podemos chamar as práticas que nos vêm do tantra tradicional de Tantra Yoga, pois elas buscam a libertação (definindo yoga como um substantivo, a meta, o estado de libertação ou União Divina).
O Tantra sofreu um declínio na Índia quando a região foi tomada por governantes muçulmanos. As religiões da Índia foram horrivelmente suprimidas por muitas dessas dinastias. O budismo recuou para o norte, para o Tibete, para o sul, para o Sri Lanka, e para o leste, para a Birmânia, China e Sudeste Asiático. Por volta de 1200 d.C., o Tantra estava em sério declínio. Até certo ponto, foi absorvido pelas práticas do templo brâmane e, em alguns pontos, sobreviveu. Felizmente, muitos textos sobreviveram e detentores de linhagem suficientes para dar clareza a eles antes que falecessem.
Hatha Ioga
À medida que o Tantra se tornava clandestino, um novo movimento de yoga estava surgindo. O primeiro texto existente de Hatha Yoga surgiu no século XI em um ambiente budista. Hatha pegou alguns elementos do Tantra, mas certamente não todos eles. Houve um retorno à ênfase masculina e ao esteticismo. É no Hatha Yoga que as práticas posturais começam a ganhar importância, mas o Hatha Yoga também enfatiza o esforço disciplinado (tapas), mudra e bandha. A palavra Hatha significa “forte”, o que dá uma pista sobre a atitude deste yoga, com a intenção de forçar o despertar e surgimento da kundalini shakti para a libertação do iogue do ciclo interminável de renascimento.
O Hatha Yoga foi reduzido a algumas das práticas elevadas e esotéricas do Tantra, e também remonta à tradição védica em busca de credibilidade. E embora as práticas posturais tivessem um perfil mais elevado do que as formas anteriores de ioga, tinham apenas pouca semelhança com as práticas posturais encontradas nas aulas de ioga modernas.
(Autora, Tina Shettigara)
Fonte:https://www.yogaspirit.com.au/blog/truth-about-tantra
CONSIDERAÇÕES SOBRE AS VERTENTES DO TANTRA YOGA ERÓTICO
O Tantra nasceu na Índia Antiga junto às comunidades rurais e às pequenas aldeias e, desses grupos, se expandiu para os grandes centros e, muito posteriormente, se consolidou junto aos variados grupos da sociedade hinduísta. Sua natureza é rural, tendo seus princípios completamente fundamentados em uma visão de mundo estabelecida a partir da relação que essas populações estabeleciam com a Grande Mãe Natureza: por isso a sacralização dos rios, lagos (água como elemento vital para a sobrevivência e enriquecimento desses povos), montanhas e astros celestiais (Sol, Lua, estrelas... – a astrologia ainda é essencial aos hindus), plantas e árvores. Mahadevi – a grande mãe - com seios enormes seria a representação básica desses povos:
A Grande Deusa, senhora da vida e da morte, deve ter desempenhado
papel fundamental no panorama religioso de uma civilização sedentária e
agrícola como a do Vale do Indo. (...) o culto à Grande Deusa deve ter sido uma
marca característica da religiosidade da civilização do Vale do Indo e entre outras obras achadas (...) destacam-se
imagens femininas de grandes seios e umbigo acentuado que remetem à maternidade
e à fertilidade (...) (ALBANESE, M. Índia Antiga. Barcelona: Folio, 2004. p. 16
e 21). (Série Grandes Civilizações do Passado).
A civilização antiga da Índia foi denominada pelos historiadores
de drávida e os dravidianos se fortaleceram através de um sistema
sócio-político-cultural matriarcal e democrático, diferentemente da maioria das
outras civilizações, estas sempre baseadas em um sistema patriarcal ou
totalitário. Nascidos de uma visão matriarcal da existência, os mitos dessa
sociedade não seriam figuras ligadas à violência ou à guerra, o mito principal
era a Grande Mãe representando a mãe natureza fértil e amorosa.
Essa é a raiz básica do Tantra: relação direta e intensa com as
forças vitais presentes no mundo natural e uma visão sensível e amorosa do
mundo, pelo seu cunho essencialmente matriarcal dessa civilização. Assim, em
função dessa relação, foi surgindo inúmeros Sadhus (homens e mulheres - Maha
Yogues meditativos), que foram intuindo variadas formas de integração com os
elementos e forças naturais: a respiração profunda e consciente, a meditação e
as variadas técnicas de purificação, integração e união foram se consolidando,
frutificando, posteriormente, no Yoga e nas variadas técnicas de massagem e de
limpeza energética, ativação dos Chakras e das Nadis. Bom lembrar aqui de que o
vocábulo “Yoga” é constituído do radical “Yuj”, o qual significa união e a massagem
tem um componente forte do toque, que propicia um processo de interação e
harmonia e união (tato e contato).
Os criadores de escolas de Yoga - hindus e dravidianos - foram instituindo métodos que foram se cristalizando nas variadas ferramentas que levavam o Sadhaka a se integrar consigo e a perceber o fluxo de consciência e sabedoria cósmico, com o qual, através de seus Sadhanas tântricos, poderiam se sintonizar e nele mergulhar. Já os fundadores de escolas de Massagem – também hindus e dravidianos - foram criando determinadas técnicas, para que esse processo do “toque” fosse se consolidando século após século, surgindo, no bojo dessas buscas, a cultura terapêutica do Ayurveda. Em ambas as escolas (muitas das vezes elas estavam unidas) foram sendo delineados os princípios morais, denominados de Yamas e de Niyamas, os quais não se constituíam em princípios restritivos, mas em princípios de orientação e de aconselhamento.
No entanto, com o passar dos séculos, esses princípios foram sendo
interpretados de variadas formas e passou-se a se entender o Tantra como apenas
uma escola filosófica voltada para uma liberdade sem restrições, entendendo-se
os Yamas e Niyamas como sendo princípios restritivos e, dessa forma, princípios
não tântricos.
Criou-se, assim, o Tantra conhecido como de linha da esquerda, ou
Tantra da mão negra, o Vamah Tantra, o qual se oporia ao Tantra da linha da
direita e de mão branca, o Dakshnah Tantra. O Tantra da linha da esquerda teria
princípios autenticamente tântricos: o da total liberdade. A sexualidade
deveria ser vivenciada sem qualquer princípio restritivo, culminando no Yoga
erótico, hoje com variadas nomenclaturas, tais como Kundalini Tantra Yoga, Yoga
de Parceiros, Yoga do Amor, etc., e na massagem “sexual”, denominada de
“Massagem Tântrica”, “Massagem do Amor”, “Massagem de Parceiros”, “Maithuna
Massagem”, “Toque Divino Tântrico”, “Kundalini Massagem”, etc.
O Tantra da esquerda se fundamentou em três pilares: comer carnes,
beber álcool e fazer sexo sem nenhuma limitação, opondo-se dessa forma,
concretamente, ao Ahimsa (prática da não-violência), ao Saucha (prática de
purificações) e ao Brahmacharya (prática da energia sexual com consciência) e,
ainda, sustentando a ideia de que o Tantra não teria qualquer concepção
espiritualista.
No entanto, alguns processos podem ser contestados no que diz
respeito a esses pilares daqueles que se autoproclamam Vamahtantracharya
(seguidores do Tantra de esquerda). Ao se sustentar a ideia de que a restrição
alimentar, como o não comer carnes, estaria ligada ao princípio Ahimsa e,
portanto, seria algo restritivo e não tântrico, esbarra-se em uma contradição
fundamental. O raciocínio é o seguinte: o Tantra é liberdade, então, não faz
sentido restringir opções alimentares. Dessa forma, comer carnes seria uma
atitude tântrica. No entanto, se o princípio é o da liberdade e, assim, comer
carnes seria algo natural, então, por que só comer carnes de alguns animais e
não se comer carne do animal humano? Dessa forma, a liberdade não é total, há
restrição: pode-se comer carnes, desde que esta não seja humana. Essa atitude,
porém, cai em uma cilada: o especismo (acreditar que o ser humano é um animal
superior aos outros) e o Tantra – de esquerda ou de direita - não seria
especista.
Outra contradição: o Tantra buscaria o Samadhi via desintoxicação,
para ativação dos Chakras, das Nadis e para a ascensão da energia Kundalini.
Mas e o álcool? Seria um elemento purificador? Beber álcool contrapõe-se – sim
– ao Niyama Saucha, mas obstruem-se as redes energéticas e isto não é uma
atitude tântrica. O Yoga erótico e a massagem sexual culminariam no ato sexual,
pois a liberdade tem de ser exercida. No entanto, cabe-se indagar: “qual o
objetivo dessa proposta: prazer pelo prazer, gozo pelo gozo, busca do Samadhi?”
A prática desse Yoga e dessa massagem pode levar a certos desbloqueios, sim,
mas se o que se busca, primordialmente, é o Samadhi, então quais os
compromissos assumidos para que esse estado se realize? Ainda, nova
contradição: fazer sexo sem nenhuma restrição. Bem e quanto a lei do Karma? A
concepção de outro ser, como fica? Caso se evitar a fecundação, está-se em um
processo restritivo. Então não há liberdade total. Há restrições e restrições
não fazem parte do Tantra Vamah (de esquerda).
Quanto a se pensar que o Tantra não tenha princípios
espiritualista, então, não faz sentido agir de forma natural, pois a busca de
se ser natural é caminhar em sintonia com o fluxo dhármico de harmonia, algo em
comunhão com o princípio fundamental que norteia o Universo: Purusha – a força
espiritual. Qual o processo natural do Yoga erótico e da massagem sexual?
O Vamah Tantra pode se opor veementemente ao que ele denomina de
Tantra da mão branca ou da direita – o Dakshnah Tantra, mas não consegue fugir
de contradições em suas posições, que, na verdade, apenas se baseiam em fazer
oposições e não em ser moral, e ser moral faz parte de todo indivíduo que busca
ser consciente, alerta e desperto, princípios básicos do Tantra antigo da Índia.
Por tudo isto, pode-se concluir que o Vamah Tantra se desmorona em suas próprias bases, se constituindo apenas em uma forma de contestação anárquica, de prazer pelo prazer, do gozo pelo gozo, sem nenhuma relação com princípios éticos, responsáveis e conscientes. Dessa forma, não se constitui em uma escola concretamente moral e norteadora de uma ação no mundo consciente e construtiva. No que diz respeito à prática do Yoga erótico e da massagem sexual, ela tem demonstrado ser apenas uma fórmula de escape de impulsos sexuais, sem uma ligação com o caminhar de um processo de Vida Yogue.
O Tantra, na sua essência, não é nem Dakshnah e nem Vamah, o
Tantra é uma filosofia comportamental, moral, espiritualista, amorosa,
não-violenta (matar animais é uma violência), é uma filosofia nascida no bojo
do matriarcalism o, onde impera a sensibilidade, a afetividade e o amor.
Admirar, agradecer, doar, reverenciar e respeitar: Tantrismo. Agora, fazer sexo
sem nenhuma consciência, comer carnes, sem qualquer ética, beber álcool pelo
gozo que seus efeitos propiciam, isto pode ser denominado de qualquer coisa,
menos de caminhos tântricos.
Quanto às linhagens de Sadhus Vamahcharyatantrik, mesmo que sejam
de escolas antigas, essas escolas caminharam em um sentido outro que não o do
Tantra tradicional, pois, ao afirmar que o “divino” está presente em tudo e em
todos as ações e que, por isso, o ato de comer carnes, beber álcool e fazer
sexo sem restrições seria algo sagrado, está-se fugindo da segunda parte do
corolário tântrico: “você é livre para agir da forma que quiser, mas você não é
livre para fugir das consequências de suas ações”. Para nós, essa segunda parte
(em negrito) é que é a fonte das linhagens Vamahtantrik e é aí que o erro é
cometido, que a interpretação é contaminada, contaminada por um pensamento do
ser humano comum, ou seja, o de se agir de forma inconsequente, sem consciência
e isto não é Tantrismo.
Buscando a ampliação de nossa consciência, o Sistema Shivam Yoga –
seu Mestre e seus discípulos – se regojizam em estar no caminho do que
entendemos ser o Tantra e sua raiz: feminina, amorosa e espiritual. “Qual a
nossa linhagem? Resposta: Tantrismo Tradicional Indiano e ponto final.
Fonte: https://www.shivamyoga.com.br/single-post/2017/11/21/tantra#:~:text
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