A MORTE DE BUDA
O Buda passou sua última estação das monções com Ananda perto de um vilarejo chamado Beluva, não muito longe de Vesali, onde ficou muito doente, com disenteria. Seu corpo estava tomado por dores horríveis, e ele quase morreu. Mas, desejando se despedir adequadamente de seus discípulos, o Buda suprimiu a doença através de uma enorme força de vontade e, aos poucos, começou a se recuperar. Quando foi capaz de sair da cama e sentar ao sol por algum tempo, Ananda respirou aliviado. Ele havia visto o quanto o Buda havia chegado próximo à morte e estava com medo de que fosse o fim de tudo. Afastara esses pensamentos com a ideia de que seu mestre certamente não iria morrer sem antes deixar instruções finais para a comunidade de discípulos. Quando contou ao Buda seus pensamentos, ele gentilmente argumentou:
- Mas, Ananda, o que mais a comunidade pode esperar de mim? Já ensinei a vocês tudo o que sei. Não há mais ensinamentos ocultos. Não há mais um punho fechado, nem segredos esperando para serem revelados. Estou velho e meu corpo é como uma carroça toda remendada, prestes a cair aos pedaços. Apenas quando afasto completamente minha mente do corpo fico livre da dor e do desconforto. Chegou o tempo no qual cada um de vocês deve se tornar uma ilha, um refúgio para si mesmo, e não mais depender de mim. Devem tomar a Verdade como seu refúgio, e nada além disso, e se devotar com todo o coração a encontrá-la para si mesmos.
Quando o Buda ficou forte o bastante, ele e Ananda partiram para a última jornada. Onde quer que fossem, os discípulos nas redondezas rapidamente davam a notícia de sua chegada e multidões vinham vê-lo. Ele respondia a perguntas sobre a vida espiritual e, mais uma vez, os incitava a fazerem todos os esforços para se manterem nesse caminho.
O Buda e Ananda continuaram viajando, de vilarejo em vilarejo, de cidade em cidade, até chegarem a um local chamado Pava. Lá, o Buda recebeu uma refeição de um de seus discípulos, um joalheiro chamado Chunda. Sua disenteria voltou, e ele compreendeu que chegara a hora de partir. Ele e Ananda prosseguiram em sua jornada, mas o Buda estava muito doente e sofria com fortes dores. Apesar disso, com sua habitual gentileza e preocupação com os outros, o Buda enviou uma mensagem a Chunda, assegurando-lhe de que ele não deveria se sentir culpado ou ter remorsos pela refeição que havia trazido de volta sua doença terminal. Ao contrário, era um ato de grande mérito ter proporcionado a um Buda sua refeição final.
Os dois companheiros tinham que fazer paradas frequentes e, enquanto repousavam sob uma árvore, o Buda foi abordado por um homem chamado Pukussa, um discípulo de Alara Kalama, o professor com quem o jovem Sidarta Gautama havia inicialmente treinado há uns 50 anos. Conversaram e, enquanto ouvia as palavras do Buda, o coração de Pukussa se abriu e ele pediu para ser aceito como discípulo. Pukussa levava consigo um fino pano dourado e perguntou se poderia mandar fazer com ele mantos para o Buda e Ananda. O Buda concordou, e os mantos foram prontamente feitos e trazidos até eles. Quando o esplêndido tecido foi colocado sobre os ombros do Buda, contudo, ele pareceu sem brilho em comparação com a enorme radiância de sua pele dourada. Ananda comentou isso, e o Buda disse a ele que havia apenas duas ocasiões nas quais a pele de um Buda assumia essa claridade e radiância tão intensas. A primeira era na véspera de sua Iluminação, e a segunda, pouco antes de sua morte. Essa era uma notícia triste para Ananda, que lastimava a perda de seu mestre.
O Buda e Ananda continuaram sua jornada e chegaram a um agradável bosque de árvores não muito longe da cidade de Kusinara. Entre duas das árvores havia um banco de pedra no qual o Buda se deitou de lado, preparando-se para morrer. As árvores irromperam em um florescimento súbito e gentilmente deixaram cair suas pétalas sobre o Buda. Ananda fez o que pôde para que o Buda se sentisse confortável e para que suas necessidades fossem atendidas. Assim que se espalhou a notícia de que o mestre Gautama estava prestes a morrer, outros discípulos acorreram ao arvoredo. Algum tempo depois, o Buda olhou em volta e notou que Ananda não estava mais lá. Ao perguntar para onde ele tinha ido, responderam que ele estava próximo, chorando e dizendo:
- Eu ainda tenho tanto a aprender, e meu mestre, que é tão gentil, em breve terá partido!
O Buda mandou chamar Ananda e falou com ele docemente.
- Ananda, não chore. Você certamente já entendeu que temos que estar separados de tudo o que amamos. Como algo que um dia nasceu poderia não ter fim? Durante muito tempo você me serviu com enorme amor e carinho. Você obteve um grande mérito, Ananda. Junte seus esforços e em breve você atingirá a Iluminação.
Então, o Buda se virou e falou para os outros monges sobre as muitas boas qualidades de Ananda. Conforme a tarde avançava, ele pediu a Ananda que fosse até Kusinara e dissesse aos habitantes locais que o Buda iria morrer no arvoredo naquela noite. Ananda deveria convidá-los a virem lhe prestar homenagens, permitindo, assim, que se beneficiassem pela última vez de estar em presença da sabedoria e da compaixão do Buda. Os habitantes de Kusinara vieram em grande número. Muitos choravam, abalados pela notícia. Havia tantos deles que Ananda pediu que se organizassem em grupos, por famílias, e apresentou cada um dos grupos ao Buda.
Veio também um monge chamado Subhadda, que por acaso estava passando por Kusinara. Ele ouviu a notícia de que o Buda estava morrendo e pensou que aquela seria sua última oportunidade de receber um ensinamento dele. Dirigiu-se a Ananda e lhe perguntou se poderia falar com o Buda.
- Você chegou tarde demais, amigo. O Buda está muito cansado. Não o importune agora.
Muito desapontado, Subhadda insistiu, mas Ananda também persistiu em sua recusa. Era tarde, disse ele de novo, o Buda estava morrendo e aquele não era um bom momento para perturbá-lo. Apesar de muito fraco, o Buda ouviu a conversa e chamou Ananda, pedindo que deixasse Subhadda se aproximar.
Subhadda se aproximou do Buda e lhe prestou as homenagens. Em seguida, perguntou quais dos outros mestres de seu tempo tinham um verdadeiro insight e quais não tinham, mas o Buda não tinha tempo para discutir isso. Ele lhe transmitiu diretamente o cerne de seus próprios ensinamentos, e a resposta de Subhadda foi imediata e irrestrita. Pediu que o Buda o aceitasse em sua ordem de monges. Peregrinos que haviam seguido outros mestres geralmente tinham que se submeter a um período de quatro meses antes de serem ordenados. Quando soube disso, Subhadda declarou que esperaria de bom grado até mesmo quatro anos, mas o Buda viu claramente que sua determinação era irremovível e disse a Ananda que o ordenasse naquele mesmo instante.
A noite avançou e, nas primeiras horas da manhã, uma grande quantidade de monges havia se reunido no arvoredo. O Buda se dirigiu a seus seguidores pela última vez:
- Se qualquer um de você tiver qualquer dúvida ou pergunta, que fale agora. Não deixem para se lamentar mais tarde por terem estado na presença do Buda e não haverem perguntado.
Por três vezes repetiu esse convite, mas todos permaneceram em silêncio. Para ter certeza de que nenhum monge deixaria passar a oportunidade, ele disse:
- Monges, se qualquer um de vocês estiver com medo de falar em respeito à minha presença, falem com um amigo e peçam que ele pergunte por vocês.
Ainda assim permaneceram todos em silêncio.
Certo de que havia feito tudo o que era possível por seus discípulos, o Buda disse então suas últimas palavras:
- Impermanentes são todas as coisas. Com consciência, avancem.
Então, entrando num estado de profunda meditação, o Buda morreu.
Fonte:Histórias e Ensinamentos da Vida do Buda, Saddhaloka, Sextante
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