Qual é a Relação Entre Yoga e Hinduísmo?
Qual é a Relação Entre Yoga e Hinduísmo? Essa é a pergunta que não quer calar. Muitas pessoas se sentem confundidas quando olham para o Yoga dentro da cultura na qual ele nasceu.
Qual é a Relação Entre Yoga e Hinduísmo? Essa é a pergunta que não quer calar. Muitas pessoas se sentem confundidas quando olham para o Yoga dentro da cultura na qual ele nasceu.
O questionamento sobre onde começa e termina o Yoga, e onde começa e termina o hinduísmo é, portanto, totalmente legítimo.
Esse é um tema que surge com alguma frequência nos diálogos um pouco mais profundos sobre as fontes do Yoga, ou na mente de praticantes curiosos, que desejam ir um pouco além das questões básicas da prática e seus efeitos.
O que é Hinduísmo?
Aquilo que se conhece atualmente como hinduísmo é uma série de pontos de vista, escolas de conhecimento, doutrinas e crenças muito variadas e aparentemente contraditórias entre si.
Essas vertentes são chamadas siddhāntas, termo que denota a demonstração conclusiva de um argumento ou doutrina.
Donde vem esse nome?
Na Índia, o nome hinduísmo possui connotações geopolíticas não muito agradáveis, uma vez que o nome Hindusthān ou “Terra dos Hindus” foi dado ao subcontinente indiano pelos persas a partir da invasão de Alexandre o Grande no ano 236 a.C.
Os indianos da Antiguidade chamaram a sua terra Jambudvīpa, a Ilha da Macieira. Os indianos de hoje chamam a Índia de Bhārata, Bhāratadeśa ou Bhāratavarṣa, “a Terra dos [Descendentes de] Bhārata”.
Hinduísmo é Sanātana Dharma
Apesar do nome hinduísmo estar consagrado pelo uso tanto dentro quanto fora da Índia, alguns “hindus” preferem ver a si mesmos como seguidores do Sanātana Dharma, o ou ensinamento eterno, a visão universal e libertadora, que não muda.
Enfim, o nome hinduísmo é usado dentro desse contexto, e é nele que o usaremos neste artigo.
Hoje em dia, a religião hindu ou hinduísmo é seguida por mais de um bilhão de pessoas, tanto ao longo do subcontinente indiano em países como Índia, Nepal, Butão e Sri Lanka, como em alguns lugares do sudeste asiático, para onde esta religião foi levada há milênios: as ilhas de Bali e Lombok, na Indonésia, e algumas regiões da Tailândia.
Ainda, a extensa diáspora que teve lugar no século passado levou centenas de milhares de indianos a viver na Europa, na África, em Oceania e nas Américas.
Caricaturas do Hinduísmo no Ocidente
Se olharmos para os livros escolares do nosso país veremos definições do hinduísmo caricatas e simplistas como esta: “os hindus são politeístas e adoram a vaca”.
Essas simplificações extremas estão muito distantes da realidade, e expõem mais a ignorância dos que escrevem esses manuais do que a realidade dessa linda, complexa e profunda espir itualidade, que finca suas raízes na mais profunda noite dos tempos.
Yoga e Hinduísmo: as Linhagens
Nosso propósito com este texto é esclarecer a relação entre Yoga e hinduísmo. Cremos que isso poderá ajudar os nossos amigos leitores a esclarecer essa relação entre Yoga e religião, que nem sempre é clara quando olhada desde o ponto de vista de um ocidental.
Grosso modo, podemos identificar dentro do hinduísmo os seguintes siddhāntas ou linhagens tradicionais:
1) seguidores das múltiplas formas de Viṣṇu (Rāma, Kṛṣṇa e outros), chamados vaiṣṇavas, que por sua vez aparecem
2) os seguidores de Śiva, chamados śaivas,
3) os devotos de Devī em suas múltiplas manifestações (Kālī, Durgā, Pārvati, Lakṣmī, Sarasvatī e demais), chamados conjuntamente śāktas,
4) os gāṇapatas, que seguem Gaṇeśa, o deus com cabeça de elefante, também chamado Gaṇapati,
5) os sauryas, que adoram Sūrya, o Sol e, por último,
6) os smārtas, seguidores da tradição (Smṛti) da maneira em que ela aparece nos Purāṇas e Itihāsas, os grandes épicos (Rāmāyāṇa e Mahabhārata).
Estes últimos são os que preservam a visão não-dual conhecida nos dias atuais como Vedānta, bem como de todas as formas de Yoga.
Os Paraísos do Hinduísmo
As primeiras cinco variações do hinduísmo acima mencionadas descrevem diferentes paraísos: o de Viṣṇu é chamado Vaikuṇṭha, o de Śiva é o Monte Kailaśa, o paraíso de Indra é chamado Indraloka, e o de Brahmā é Brahmāloka.
O objetivo do devoto aqui na terra é fazer ações meritórias que o conduzam a esses diferentes paraísos, onde ele fica pelo tempo que seu mérito kármico determinar.
O Paraíso não é Eterno
Depois desse período no paraíso, quando o mérito kármico chega ao seu fim, o devoto volta para mais um nascimento na terra e o processo recomeça novamente, até o fim do ciclo cósmico ou até a pessoa sair da roda das reencarnações e do ciclo do sofrimento, reconhecendo a si mesma como livre, aqui e agora, independentemente de onde seja esse aqui e agora.
Independentemente do tipo de crença que possamos encontrar nessas múltiplas manifestações religiosas do hinduísmo, existe sempre é dado o ênfase no modo de viver aqui na terra, embora muitos devotos estejam também preocupados com garantir para si mesmos alguma segurança depois da vida.
Assim, nada disso é muito diferente do que se vê por exemplo nas religiões abraâmicas, com exceção de que, nestas últimas, o paraíso é eterno e a reencarnação não é mencionada (ou, não é mencionada nas suas vertentes majoritárias).
Mokṣa no Hinduísmo não é Mokṣa no Yoga
Ora, acontece uma confusão bastante grande neste ponto, uma vez que a palavra mokṣa é usada tanto para apontar para a conquista dos paraísos daquelas linhagens hindus que mencionamos acima quanto para apontar para a saída da chamada roda do saṁsāra é mokṣa, a libertação. Ela é o objetivo de todas as formas de Yoga.
Portanto, devemos aprender a identificar corretamente o significado dessa palavra, de acordo com o contexto onde ela aparece. É muito normal ouvir comentários na Índia, quando alguém falece, dizendo que “a pessoa atingiu mokṣa”.
Esse mokṣa que é mencionado na religião hindu, não é o mokṣa ao qual se refere o Yoga. Isso deve ficar claro.
O Smārta Sampradāya e o Yoga
Ainda dentro do que chamamos hinduísmo, a sexta vertente que mencionamos, chamada Smārta, e que nucleia os seguidores do Smṛti, é a tradição que, apoiada nos Vedas e nas Upaniṣads, está presente em Śāstras como a Bhagavadgītā e outros textos fundamentais do Advaita Vedānta e se estende até todas as formas de Vedānta e Yoga onde a visão da não-dualidade esteja presente.
O Yogin não quer ir para o Paraíso
Essa denominação, Smārta, é o lugar onde o Yoga se encontra.
Faz parte daquilo chamado hinduísmo, porém se diferencia no objetivo: o yogin não quer ir ao céu ou ao paraíso, mas quebrar a corrente das reencarnações e o conseguinte sofrimento que vem com elas, aprendendo a viver consciente e calmamente, aqui e agora.
É aí que o Yoga se afasta, e muito, da religião hindu: não se pede uma crença nem se faz nenhuma promessa em relação ao futuro, ao que há depois da vida ou depois da morte.
O Yoga não é Ritualista
Aliás, existe tanto no Yoga quanto no Vedānta uma atitude frontalmente contrária ao ritualismo e às crenças nesses paraísos, que está presente de maneira muito explícita, por exemplo, em textos como a Rāmagītā, que negam por completo o valor dos rituais.
Importante, para o Yoga, é viver o presente, e conhecer a si mesmo como esse presente ilimitado, invariável e pleno, que todos e cada uma de nós é.
Yoga Devocional não-Ritualista?
Não obstante, encontramos dentro do hinduísmo formas do chamado Bhakti Yoga ou Yoga devocional, que ostentam o mesmo ponto de vista dualista e se distanciam bastante da visão da não-dualidade.
As práticas dessas formas de Yoga devocional estão restritas, via de regra, cânticos como kīrtans e stotras, oferendas como pūjās e homas e outros rituais.
Yogas Não-Hindus
Porém, também há formas de Yoga que não aparecem associadas com nenhuma forma de hinduísmo, mas com outras religiões oriúndas da Índia.
Assim, existe um Yoga budista, chamado Yantra Yoga, um Yoga jainista, chamado Amanaska Yoga, um Yoga relacionado com a religião sikh e, muito mais recentemente, surgiram na própria Índia algumas formas de Yoga cristão dentro de algumas igrejas.
Em cada uma dessas formas, o Yoga aparece associado com um desses credos.
Porém, se formos pensar no que se conhece no Ocidente como Yoga mesmo, seja o Haṭha Yoga (e suas variações e denominações modernas do chamado Yoga postural, a falta de melhor nome), Rāja, Kuṇḍalinī ou Tantra Yoga, esses estarão sempre associados com o Smārta Sampradāya.
Lembremos que essa é a linhagem que revela a visão não-dual (muito embora, hoje em dia, nem todos os professores de Yoga sejam plenamente cientes disso).
Essa visão não-dual pode aparecer sob o nome do Vedānta, ou ainda com outros nomes, como por exemplo Trika, escola de conhecimento da Cachemira.
Por outro lado, o que chamamos de Jñāna Yoga e Karma Yoga (o Yoga do Conhecimento e o Yoga das Atitudes), não são métodos ou sistemas separados mas a própria visão da não-separação e a sua prática no cotidiano.
Como todas as formas de hinduísmo (assim como o Yoga), estão baseadas nos mesmos princípios e valores dos Vedas, acontece essa aparente confusão onde não fica clara a diferença entre Yoga e hinduísmo.
Espero ter esclarecido o amigo leitor. Obrigado por nos acompanhar.
॥हरिःॐ॥
Escrito por Pedro Kupfer
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