O brasileiro que virou Guru
Após uma acidentada viagem espiritual pela Índia, Janderson Fernandes de Oliveira, paulistano de 49 anos, virou o guru Sri Prem Baba.
Hoje, ele mobiliza dez mil adeptos ao redor do mundo e dissemina uma mensagem de amor entre Ocidente e Oriente.
Poucas pessoas conhecem Janderson Fernandes de Oliveira pelo nome de batismo. Mas o quadro muda quando se fala no seu nome adotado em 2002: Sri Prem Baba. O mestre espiritual brasileiro é procurado por gente de todos os tipos, idades e origens. Mesmo sem marketing ou relações-públicas, o número de adeptos – dez mil em oito países – cresce constantemente. Sri Prem Baba é um guru, palavra que em sânscrito quer dizer “professor” e que, no hinduísmo, no budismo e no sikhismo, signifi ca “guia espiritual”. Na Índia, qualquer pessoa pode ser um guru, desde que tenha sabedoria e carisma para tanto.
Como um brasileiro vira guru? Acreditando no seu dom. Janderson nasceu em 1965, no bairro da Aclimação, na capital paulista. Sua mãe era muito jovem e ele foi criado pela avó. Cresceu numa família simples, com amor, liberdade, os dramas e os antagonismos de uma típica família brasileira. Na infância passada no Imirim e em Guarulhos, na Grande São Paulo, tinha a rua como playground. Empinava pipa, brincava com carrinho de rolimã, bolinha de gude, pega-pega e esconde-esconde como todos da sua idade. Mas à noite, já muito jovem, tinha visões e experiências em outros estados de consciência.
Aos 7 anos, esse menino contemplativo começou a questionar tudo. Hoje debruçado na varanda do Sachcha Dham Ashram, sua comunidade aos pés da ponte Laxman Julha, no rio Ganges, em Rishikesh, no estado de Uttarakhand, no sopé do Himalaia, ele admite, com um sorriso, que deu bastante trabalho à família. “Mãe, quem fez o mundo?” – perguntava. “Foi Deus.” “E quem fez Deus?” “Não pense nisso, menino, que você vai ficar louco” – diziam.
Janderson cresceu num ambiente espiritual eclético. Um avô era ateu; uma avó, cristã radical; uma tia, psicóloga e estudante da seita Rosacruz; e um tio, aluno do Círculo Esotérico da Comunhão do Pensamento. Desde cedo, percebeu que há muitas visões possíveis do mundo, mas a essência comum entre elas induz à necessidade de comunhão entre as pessoas.
Aos 14 anos, quando praticava ioga para melhorar na luta do tae kwondo, pela primeira vez ouviu um canto devocional indiano em louvor ao deus Rama. Sentiu como se conhecesse o idioma e a música e lhe ocorreu um pensamento: “Quando fi zer 33 anos, vá para Rishikesh, na Índia”. Até então, só sabia da existência da Índia porque Pedro Álvares Cabral ia para lá quando se perdeu no mar e descobriu o Brasil.
Nessa época, a infl uência dos seriados de ficção científi ca da tevê, como Perdidos no espaço, Túnel do tempo e Jornada nas estrelas, levou-o a estudar ciências exatas. Sonhava ser físico nuclear ou engenheiro aeroespacial. Passou a pré-adoescência debruçado sobre livros. Já queria conhecer Deus, mas acreditava que o atalho mais curto seria pela matemática.
Mundo material
Desde cedo, a necessidade de trabalhar desafi ou suas prioridades. Aos 14 anos Janderson foi trabalhar num frigorífi co, apesar de já ser vegetariano. Dedicou- se a ganhar dinheiro e passou de offi ce-boy para o departamento fi nanceiro. “Foi uma fase de aprendizados e sacrifícios. Tomei contato com a crueldade com que os animais são tratados no mundo. Foi o único trabalho que se abriu para mim e que supria minhas necessidades naquele momento”, explica.
Por sorte, na mesma época, apaixonou-se. Um amor não correspondido levou-o a buscar terapia de apoio. Começou a estudar teatro e piano. A inquietação espiritual tomou outro rumo. Aprofundou-se em ioga e em medicina natural. Passou a pesquisar religiões. “Um dia, tive uma visão de mim mesmo no futuro”, rememora. “Imaginei um homem rico, careca, gordo e infeliz, e compreendi que precisava mudar.”
Aos 19 anos, demitiu-se do frigorífico, virou professor de ioga e foi trabalhar com teatro. Abriu uma escola de ioga e se formou em acupuntura. “Fui me aprofundando na psicologia gnóstica e na psicologia dos ensinamentos budistas. Buscava aquilo que hoje chamamos de psicologia transpessoal.” Em 1990, conseguiu comprar um sítio em Nazaré Paulista (SP), onde passou a dar cursos e a oferecer terapias alternativas.
Em 2003 Janderson formou-se em psicologia clínica na Universidade Paulista, na Vila Mariana, especializandose em Carl Jung e no método pathwork (escola de autoconhecimento liderada pela austríaca Eva Pierrakos). Começou aí a desenvolver o método psicoespiritual de autotransformação e conhecimento pessoal que hoje denomina “O Caminho do Coração”. Nessa altura, já possuía seguidores, alunos e adeptos, mas ainda “se sentia um cego guiando outros cegos”.
Com 32 anos, entrou em crise existencial. No auge da angústia, orou: “Se existe um poder ou uma inteligência que nos guia neste mundo, além da minha imaginação, peço que se manifeste e me mostre o caminho”. Logo teve uma visão. No Himalaia, um velho de barbas brancas lhe dizia: “Você vai fazer 33 anos. Venha para a Índia, para Rishikesh”. Lembrou-se da voz que ouvira aos 14 anos e percebeu que havia algo para ele naquele país longínquo.
Amor maior
Nessa época, Janderson apaixonou-se pela bailarina Mara Regina Caccia (mais tarde renomeada como Prem Mukti Mayi), da zona norte de São Paulo, que não tinha conexões com o budismo, mas apreciava a filosofi a hinduísta. Em 1999 se casaram, juntaram as economias e foram passar a lua de mel na Índia. O roteiro turístico foi definido pela busca espiritual. Depois de visitar várias cidades, templos e mestres, Janderson se desesperançou com os agudos contrastes sociais da Índia e sentiu que não encontrara o que buscava. Mas, ao chegar perto de Haridwar, cidade próxima a Rishikesh, sentiu-se “inundado por um grande amor”.
“Uma série de sincronicidades” conduziu o casal ao Sachcha Dham Ashram, em Rishikesh. Ao bater na porta, Janderson se deparou com o mesmo velho da visão que tivera em São Paulo e caiu de joelhos. Na sua frente estava o guru Sri Hans Raj Maharajji (1922- 2011), o quarto avatar (as encarnações de uma divindade) dos mestres da linhagem Sachcha. Seu futuro guia espiritual disse que o que lhe faltava era justamente se entregar a um guru vivo e propôs que fi casse no ashram 15 dias.
Abalado, Janderson voltou ao Brasil já determinado a retornar à Índia, o que fez no ano seguinte. Em Rishikesh recebeu iniciação espiritual e dedicou-se à meditação e aos ensinamentos de Sri Hans Raj Maharajji. Na linhagem Sachcha, o conhecimento é transmitido de geração em geração por meio do guru-mestre espiritual. Após dois anos de aprendizado, encontrou-se, afi nal. “Em fevereiro de 2002, encontrei um estado superior de lembrança de mim mesmo e de meu propósito de vida; me autorrealizei.” Nessa ocasião, recebeu o nome de Sri Prem Baba. Sri signifi ca senhor, Prem, amor divino, e Baba, pai espiritual.
O mestre Maharajji lhe disse: “Você é um guru como eu e, como guru, está livre para ensinar como quiser; apenas peço que pregue o amor”. Desde então, Prem Baba considera sua missão transformar o sofrimento em alegria por meio do autoconhecimento dos padrões negativos que cada um traz em sua psique (a sombra). Em suas palestras, discorre sempre sobre a descoberta do eu maior. “Posso ser tanto budista quanto hinduísta ou cristão. Se eu tiver uma religião, esta religião é o amor”, afirma.
Ao se tornar guru, compreendeu, também, que não poderia seguir casado. Seu coração estava com o mestre, que tinha planos para ele. Tanto que, em 2011, ao morrer, com 89 anos, Maharajji nomeou o brasileiro seu sucessor, mestre do ashram de Rishikesh, continuador da linhagem Sachcha.
Do casamento com Prem Mukti Mayi, Sri Prem Baba teve uma fi lha, em 2003, Nuyth Ananda, que vive com a exmulher em São Paulo. Quando o pai está na Índia (cinco meses por ano), os três passam uma temporada juntos. Quando está no Brasil, o guru reparte os cuidados e as responsabilidades da educação da menina com a mãe. Em algumas viagens, a fi lha o acompanha.
Novo paradigma
Por meio de trabalho voluntário, doações, cursos pagos e “pacotes turísicos” no ashram de Rishikesh ou no Brasil, Prem Baba criou uma rede (sangha) que não para de crescer, ano após ano. Entre 2008 e 2013, o número de discípulos e devotos atingiu dez mil pessoas, em oito países, organizadas em centros de estudo e comunidades em Rishikesh, Barcelona, Amsterdã, Oslo, Tel-Aviv, Boulder (Colorado), Maui (Havaí), Buenos Aires, São Paulo, Fortaleza e Brasília. Aqui, já atraiu a atenção de atores e celebridades da Tv Globo.
Prem Baba viaja e difunde seus ensinamentos pelo mundo quase sempre convidado por devotos que lhe oferecem passagem e hospedagem. Frequentemente se desloca acompanhado pelo secretário Eduardo Farah, a tradutora Vânia Parise ou a amiga Lilesvairi, seus adeptos desde a década de 90.
Cada vez mais peregrinos buscam o autoconhecimento no ashram de Rishikesh, onde o guru mantém uma escola gratuita para 300 crianças carentes, com ensino integral, material escolar, roupas e alimentação. O engajamento de Prem Baba com as questões sociais já foi reconhecido pelo governo indiano. Empresas privadas fazem doações ao ashram. Este ano o guru ganhou um automóvel.
No Brasil, Prem Baba fundou o Instituto Alegria, organização sem fi ns lucrativos dedicada a promover a educação integral, parceira de escolas como o Instituto Padre Haroldo, de Campinas (SP), e o Centro de Capacitação de Professores da Educação, de São Caetano do Sul (SP). No sítio de Nazaré Paulista instalou o Sachcha Mission Ashram, centro de eventos e sua residência no Brasil.
Além de mediação de conflitos interpessoais aplicada a comunidades, o Instituto Alegria desenvolve o projeto Cultura de Paz e Prosperidade em escolas públicas, disseminando a não violência e a mudança do paradigma econômico baseado no medo da escassez e na competitividade – por meio da compreensão de que todos podem ser prósperos juntos. “A cultura da paz está ligada à prosperidade, que não significa acumular riquezas, mas atender suas necessidades sem que haja competição, uma das sementes dos confl itos do mundo”, diz o guru.
Prem Baba também apoia vários projetos, como o movimento Ganga Action Parivar, fundado pelo líder indiano Swami Saraswati Muniji, que luta pela preservação do rio Ganges e dissemina a cultura de paz. Em 2013, durante a festa do Kumbh Mela, maior festival espiritual do mundo, participou do projeto Global Sangam for Environmental Preservation and World Peace, dedicado a difundir a sustentabilidade. No Brasil, em 2013, participou da celebração do Dia do Rio Tietê, em São Paulo, fazendo conexões sociopolíticas para “ressignificar a forma como interagimos com as fontes de água”.
“Nunca imaginei ser um discípulo e muito menos um guru”, diz o brasileiro. “Foi a vida que me trouxe isso. Um guru não escolhe ser um guru, é escolhido.” No budismo há uma linha sucessória entre mestre e discípulo. Não se trata de uma escolha no nível do ego ou da mente. Meu trabalho é transformar em alegria o sofrimento que chega até mim. Para tanto, preciso de uma prática espiritual estrita. Ao entregar meu destino ao mestre, quebrei os sonhos e os ideais de felicidade que tinha, destruí meu ego, ofereci minha vida ao próximo.”
Fonte:http://www.revistaplaneta.com.br/o-brasileiro-que-virou-guru/
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