ÍNDIA : SECA SE EXPANDE E AFETA AGRICULTURA E RESERVAS DE ÁGUA EM QUASE TODO O PAÍS

Índia: seca se expande e afeta agricultura e reservas de água em quase metade do país



Fenômeno climático El Niño e aquecimento global trazem temporada de chuvas irregular que provoca pragas e atinge produção agrícola em 45% do território

Esse ano na Índia a chuva parece uma piada ruim: chega fora de temporada ou aparece quando não se espera, como aconteceu há algumas semanas na cidade Chennai, no sul da Índia, inundando a área urbana. Ou como no Estado de Punjab, onde chegou fora da hora esse ano, provocando um aumento da mosca branca, a maior praga do algodão. Os efeitos dessa chuva imprevisível, como em outros anos, são perdas milionárias de colheitas e suicídios de camponeses arruinados. Mas isso não é tudo.
Em um país com quase 1,7 bilhão de habitantes, 60% da força de trabalho é rural e pobre (ganhando menos de 300 reais por mês em lares com cinco membros em média). Isto é, ainda que a Índia seja considerada uma potência no desenvolvimento de tecnologias digitais e da informação, sua economia é fundamentalmente rural e depende, em grande medida, de um prodigioso sistema sazonal de correntes de ar e de chuvas: as monções.
De fato, existe uma cultura associada à escassez que a falta de chuvas produz. Cultivos que requerem pouca água são comuns na dieta nacional, como as lentilhas e outros grãos. Assim os indianos puderam superar as fomes de 1876 e 1944. No entanto, a combinação de fatores negativos parece complicar mais as coisas nesse inverno.
CIAT / Flickr CC

Agricultores recolhem arroz em Sangrur, na cidade no Estado de Punjab


Nem água, nem comida

Em Punjab, o desastre começou antes, quando o governo nacional convenceu, no começo dos anos 90, os camponeses a semear arroz e algodão mais que grãos e hortaliças típicos de zonas áridas. O arroz é um cultivo que utiliza muita água para seu desenvolvimento e antes do boom comercial do fim do século representava apenas 10% da área cultivada no Estado; hoje, representa 62%.
O nível baixo de chuvas durante a temporada de monções em 2015 não somente fez com que metade dos pequenos agricultores em Punjab perdesse tudo, mas também impediu a reposição das fontes de água da superfície e dos poços. Além disso, as chuvas imprevisíveis que provocaram a praga do algodão atrasaram o ciclo agrícola de inverno: as colheitas do começo do ano serão escassas, em particular a de trigo.
Situações parecidas acontecem no centro do país. Na região de Palnadu, no Estado de Andhra Pradesh, os poços que apoiam a produção agrícola estão secando; dos 22 mil poços em funcionamento esse ano, cerca de 12 mil estão definitivamente secos. Como em Maharashtra: na região de Rampur, conhecida como centro arrozeiro, a água da superfície diminuiu 80%.
De fato, segundo o último relatório mensal da Comissão Central da Água, os reservatórios nacionais de água estão com 53% da sua capacidade média, menos que no ano passado (68%). Em lugares como a cidade de Varanasi, no Estado de Bihar, a falta de água já gerou protestos; ali, organização sociais exigem o fechamento de uma fábrica engarrafadora da Coca-Cola por abusar das reservas locais de água sem ter permissão para isso.
Nesse cenário, os preços dos grãos para consumo interno – alimentos básicos na dieta popular – aumentaram em até 120% desde agosto. A especulação fez com que o governo central fizesse confiscos em armazéns e distribuidoras de grãos para deter a alta dos preços.
Diganta Talukdar / Flickr CC

Agricultoras indianas: arroz é um cultivo que utiliza muita água para seu desenvolvimento 


A fome que virá

É pior em Uttar Pradesh, um Estado que também possui áreas onde a seca acontece, como a região de Bundelkhand, onde o movimento camponês Swaraj Abhiyan realizou uma pesquisa há um mês em 108 comunidades. Mais da metade das pessoas nesse distrito sofre de desnutrição e com a falta de água. inclusive para consumo.
Aproximadamente 61% dos lares em Bundelkhand perderam toda a sua colheita, de acordo com uma pesquisa dirigida por Yogendra Yadav, dirigente do Swaraj Abhiyan, e o economista Jean Dreze. Quase todos sofrem o desastre na terceira colheita consecutiva: entre o inverno passado e o ciclo de primavera-verão desse ano.

Em 38% das comunidades de Bundelkhan, morreu de fome pelo menos uma pessoa. Isto significa, explica Yadav, que poderia estar começando uma epidemia de fome. Yadav afirmou no último dia 26 de novembro em uma coletiva de imprensa que “79% dos entrevistados afirma não ter comido uma refeição completa nos últimos dois meses.”
O governo de Uttar Pradesh já declarou seca em 50 de seus 75 distritos no começo de novembro, solicitando, assim, a ajuda econômica do governo central. Mas para Swaraj Abhiyan são necessárias medidas de emergência que impeçam mais mortes e ajudem a diminuir as dívidas que assolam 71% dos camponeses em Bundelkhan.
A chuva que não chegou
Somente este ano, nove estados declararam seca. As solicitações de ajuda somam algo mais de 11,6 bilhões de reais. Dois anos seguidos de seca estão quebrando as economias rurais que, nas últimas décadas, além do arroz, privilegiaram cultivos comerciais com alto grau de irrigação, como o algodão e a cana de açúcar.
Com a água superficial a níveis mínimos, os poços não são uma solução. Nos últimos 55 anos, por exemplo, os camponeses de Punjab passaram de cavar 1,5 metro para literalmente afundar na terra cavando poços de até 91 metros, segundo uma investigação feita pelo governo estatal.
As chuvas das monções em 2015 são o principal elemento do problema. O déficit pluvial desse ano é de apenas 14% – houve regiões com níveis de chuva aceitáveis que excederam o esperado. Mas, no fim de outubro passado, a falta de chuvas tinha afetado severamente pelo menos 45% do território nacional. Outros 15% tiveram pouca chuva.
Agência Efe

Chuvas torrenciais inundaram a cidade de Chennai nas últimas semanas

Mudar os cultivos e se sustentar com o magro apoio oficial não é uma decisão simples para os camponeses da Índia. Quando questionado sobre as razões para seguir semeando arroz, Baby Ram Saini, da comunidade Jiwai Jadid, na região de Rampur, disse há alguns dias à Reuters: “Cultivamos arroz porque é o que vende. A produtividade das lentilhas é tão baixa que não poderíamos nos sustentar sem o apoio massivo do governo.”
No fim de novembro, o governo de Narendra Modi não tinha anunciado nada em particular sobre a seca, salvo a liberação de fundos de apoio aos governos estatais. E, claro, as compensações por suicídio para as viúvas dos camponeses que tiram a própria a vida ao não poder pagar as dívidas. Enquanto isso, a seca se expande e não há solução nem mudança de clima previsíveis.

Fonte:http://operamundi.uol.com.br/conteudo/reportagens/42588/

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